As crianças, ou partes de seus corpos, seriam usadas em rituais de feitiçaria. Para se ter uma ideia da situação, muitas pessoas de Uganda ainda acreditam que colocar a cabeça de uma criança na fundação de um prédio resultará em prosperidade para a sua construção. Se o prédio a ser construído for comercial, a prática é mais comum ainda. Há relatos sobre crianças jogadas vivas sob a fundação de algumas obras.
"Boa parte dos países africanos ainda pratica certos tipos de rituais de padrões questionáveis. E quem aderiu aos princípios universais tem tentado mudar essa situação ou combater esses rituais, como Angola e África do Sul. Apesar de existir um certo relativismo cultural, não se pode aceitar ações que levem ao genocídio", diz o professor de História da Universidade de Brasília, Anderson Oliva. "A ONU e as Nações Africanas têm tomado medidas com alguma efetividade para combater isso."
Não há, no entanto, um combate aos rituais por falta de vontade política por parte do governo local e até por medo de represálias dos feiticeiros, e o temor de que supostas magias que possam ser aplicadas contra quem combater essa prática. Numa casa de magia visitada em Uganda pela reportagem da "Rede Record", uma assistente do bruxo Jajá explicou que ele é amigo do presidente do país, Yoweri Kaguta Museveni, no poder desde 1986. Segundo ela, a pedido do próprio Yoweri, o bruxo ajudou na campanha que o reelegeu para mais um período de governo.
Sem qualquer ajuda do governo no controle à atuação dos feiticeiros para evitar essas mortes, as crianças de Uganda contam mais com denúncias da imprensa internacional – além do trabalho de organizações não governamentais, a maioria do exterior, além de algumas poucas mas eficientes entidades locais. Uma das organizações locais mais atuantes é a Fundação Gideon, criada por um pai indignado que fez do filho um dos símbolos da luta contra a violência que ocorre naquele país.
Gideon era um menino saudável que acabou morto e decapitado a poucos metros de casa, quando tinha 4 anos. Para que sua morte não fosse apenas mais um número na triste estatística, o pai dele, Santos Labeja, que é professor, resolveu criar no terreno da família, na cidade de Soroti, a 400 quilômetros da capital, Kampala, uma escola e a fundação que reúne dados sobre muitos casos de sacrifício infantil em Uganda.
Labeja conta que um rapaz estranho convenceu o menino Gideon a ir com ele até uma casa não muito longe dali. Lá, o rapaz o decapitou e tentou retirar sua arcada dentária, mas não teve tempo. Os vizinhos que saíram em busca do menino tentaram linchar o assassino, mas ele foi salvo pela polícia. A mãe de Gideon diz que a dor da família só piorou quando a identidade do criminoso foi revelada: ele é filho de um oficial militar. Segundo ela, o rapaz fugiu da cadeia e nunca mais foi visto.
O sofrimento da família transformou-se em força para uma luta quase solitária, na qual a missão é evitar que outras crianças tenham o mesmo destino. Labeja pesquisou e catalogou 94 ataques contra crianças e adolescentes desde a morte de Gideon, em 2006. Poucos sobreviveram. As atrocidades também são noticiadas nos jornais locais, que exibem corpos de crianças mutilados e, muitas vezes, decapitados.
Outra história de sacrifício infantil em Uganda é a vida de George, de 5 anos de idade. Quando tinha 3, o menino foi castrado para que seu pênis fosse utilizado em um ritual. Mesmo tão novo, o garoto já contraiu malária, doença infecciosa comum na África, e ainda não entende exatamente o que aconteceu, enquanto luta para minimizar os traumas causados pelo ritual pelo qual foi submetido. Na ocasião, George foi raptado por um vizinho, em uma cidade perto de Kampala, antes de ser resgatado pela família e entregue aos cuidados de uma organização não governamental, já que os pais não têm recursos para bancar seu tratamento. George já passou por várias cirurgias para a reconstrução do pênis.
Em um país com quase 20 milhões de crianças e adolescentes, sobram história macabras. Ali é comum encontrar casas de trabalhos com astrologia, tratamentos à base de ervas e muitas promessas de magia para solucionar problemas financeiros. Nas cerimônias para buscar prosperidade, dinheiro, saúde é normal o uso de sangue de animais. Mas, em alguns casos, crianças são sacrificadas para rituais, situação admitida até mesmo por uma curandeira entrevistada pela "TV Record", que diz ser uma prática mais comum em Kampala.
Os registros desses rituais estão em toda Uganda. A cerca de 30 quilômetros de Soroti, um vilarejo marcado por miséria e isolamento, o menino Francis, de apenas 3 anos, foi mais uma vítima. Enquanto brincava sozinho, o garoto foi morto por ritualistas e apenas partes de seu copo foram encontradas por familiares, que acreditam na utilização da arcada dentária, braços e órgãos em rituais de magia. Um suspeito foi preso, um raro caso de punição no país.
Também no interior de Uganda, Michael, de 4 anos, foi outra vítima de rituais, e seu corpo sequer foi encontrado para que fosse enterrado pelos parentes. A situação deixa a família desolada e descrente do trabalho de investigação da polícia.
Mais comum do que a pena para quem comete esse tipo de ato desumano ou pais desesperados com a situação é encontrar familiares que vendem crianças para os rituais. No país em que dois a cada dez habitantes acreditam em feitiçaria há até tabela de preços para os corpos. Na zona rural, jornais denunciam a venda de um corpo de criança por cerca de R$ 11 mil. Na capital, a vida infantil pode valer até R$ 50 mil.
Existem feiticeiros que chegam a exigir corpos sem marcas, cicatrizes ou doenças para potencializar a magia. Nesses casos, o preço pago pela vida da criança é influenciado, um motivo a mais para dificultar o fim do massacre num país que, além de pobre no quesito humanidade, é miserável financeiramente. FONTE FOLHA UNIVERSAL.
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